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Livro conta história da Companhia que “semeou cidades” na região

Livro conta história da Companhia que “semeou cidades” na região

Abrindo estradas e derrubando matas para dar lugar a cidades, a Companhia Melhoramentos criou um ousado projeto que atraiu pioneiros e deu origem a 63 municípios | Foto: Divulgação/CMNP

Mais de 60 cidades do norte e noroeste paranaense nasceram através de um abrangente projeto imobiliário e agropecuário para colonizar a fértil terra roxa da região – entre elas, Maringá. A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), que nasceu como  Companhia de Terras Norte do Paraná,  implementou, entre as décadas de 1920 e 1940, um plano estratégico para formar cidades e desenvolver a infraestrutura da região. 

À frente da empreitada estavam o inglês Simon Joseph Fraser, mais conhecido por Lorde Lovat, e o engenheiro Gastão de Mesquita Filho. O inglês queria saber onde produzir algodão e como escoar a produção por ferrovia até o porto de Santos; o engenheiro tinha a ideia de explorar terras férteis na região e valorizá-las com a passagem da linha férrea, criando núcleos urbanos e fomentando a produção agrícola. Nascia assim, em 1925, a Paraná Plantation Limited, que tinha como subsidiária brasileira a Companhia de Terras Norte do Paraná.

O projeto deu tão certo que a área abriga hoje alguns dos principais centros urbanos do Estado, como a segunda e a terceira maiores cidades paranaenses, Londrina e Maringá, acompanhadas por Umuarama, Cianorte, Apucarana e  tantas outras. “Ao todo, 63 municípios”, enumera, cem anos mais tarde, o neto de Gastão, que atualmente é o CEO da Companhia. O descendente não divide com o fundador da empresa apenas o nome, mas também a visão empresarial, que sabe que a necessidade de se reinventar e inovar é constante. Apesar de ainda ter lotes à venda, atualmente a CMNP concentra os negócios na economia sucroalcooleira, produzindo etanol bioenergia.

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Na diversificação de áreas de atuação, a fábrica de cimento foi um dos investimentos da Companhia | Foto: Divulgação/CMNP

É que no fim da década de 1940 a missão inicial da Companhia de Terras estava praticamente cumprida e os negócios de loteamento começavam a se esgotar. Aos poucos, a empresa foi percebendo que seria preciso mudar o ramo de atividade e uma ideia interessante era investir no desenvolvimento da região: fábrica de cimento, geração de energia elétrica e produção de material ferroviário para manter as linhas em funcionamento foram algumas das novas atividades. E foi nessa transição, que em 1951 a empresa também mudou de nome para Companhia Melhoramentos. Na trajetória que se seguiu, nem toda mudança de investimento foi planejada – na Geada Negra de 1975, cerca de 80% dos pés de café cultivados pela CMNP morreram. Mas naquele mesmo ano foi criado o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) para substituir a gasolina por etanol a partir da cana-de-açúcar e a empresa decidiu que seria hora de investir no etanol – e na safra 2024/25, a CMNP moeu 6,2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e registrou lucro de R$ 124 milhões.

Cem anos de reinvenção resumidos em um livro

A história centenária de reinvenção empresarial que se mistura à história da formação do Paraná como o conhecemos, com transformações sociais e econômicas que levaram a região a representar mais de 20% do PIB do Estado, rendeu um livro assinado por Jorge Caldeira, historiador e escritor membro da Academia Brasileira de Letras, autor de 16 livros sobre o País, e pelo CEO Gastão Mesquita. “De olhos abertos e pés no chão” foi lançado na última quinta-feira (2). A pesquisa para a obra literária durou anos e incluiu arquivos na Escócia e Inglaterra, além de entrevistas que renderam materiais e histórias que nem a família fundadora da Companhia conhecia. Os arquivos de Lord Lovat, que ficaram fechados por 70 anos, tinham acabado de ser abertos e a equipe conseguiu ter acesso a um material totalmente inédito. Um dos pontos inusitados que a pesquisa encontrou foi a forma de negociação da empresa, na época já uma grande multinacional, mas com uma tradição bem brasileira posta em prática: o fiado.

“Fiado é a maior tradição econômica brasileira e ao mesmo tempo não tem um documento sobre isso, a palavra é a palavra, é só o que eu digo para você, o que você diz para mim, eu confio em você, você confia em mim e não sobra papel. Então, um bom pedaço da história da Melhoramentos, grandes decisões, negócios, as mudanças de estrutura, foram feitas simplesmente ‘no fio do bigode’,  que é um negócio bem muito brasileiro e muito inusitado numa empresa desse tamanho”, conta o pesquisador.

O resultado das pesquisas surpreendeu até a família à frente do negócio, esclarecendo pontos obscuros de como a empresa ganhou a proporção que tem ao longo dos anos. “Meu avô faleceu às vésperas de eu completar 27 anos. E trabalhei com ele praticamente 7 anos e meio.  E tem história que o Jorge foi buscar da companhia que meu avô nunca tinha contado. Eu não sabia da ligação dele com o sogro,  que foi o primeiro presidente da companhia, um advogado especializado em regularização de terras. Daí meu avô se embrenhou nesse mato, foi junto com o sogro e viu uma oportunidade. Depois disso,  lá em Londrina, ele teve uma empresa de eletricidade.  Foi uma das coisas que para mim ficou claro porque em 1944, quando compraram a companhia,  meu avô ficou com uma fazenda em Cambará e eu nunca soube de onde vinha o dinheiro.  Ele trabalhou como engenheiro, construía, fazia um negócio disso, um negócio daquilo. E esse dinheiro,  provavelmente,  pelo que o Jorge pesquisou,  ele era acionista e diretor da empresa elétrica de Londrina, que era a concessionária de energia elétrica de Londrina e região.  Aí ele ganhou dinheiro. Para mim, foi uma surpresa”, conta o atual CEO, neto do fundador da Companhia Melhoramentos e coautor do livro.

O desafio do resgate da memória

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Com vasta experiência em pesquisas que ajudam a contar a história do País, Jorge Caldeira foi procurado pela família que administra a Companhia Melhoramentos desde a fundação | Foto: Divulgação/Editora Sextante

Reconstituir a história por meio de documentos para poder contá-la em livro ia ficando mais difícil conforme as cidades paranaenses fomentadas pela Companhia iam ganhando estrutura, porque até então, havia muitos anúncios em jornais e propagandas para atrair desbravadores para a área. Mas Jorge Caldeira já havia vivido desafios semelhantes produzindo outras obras. “Eu tinha feito a história do samba, da música popular brasileira, que também era naquela época só história oral. Geraldo Pereira é um compositor famoso e  não tinha uma biografia. Eu tive que fazer uma biografia dele com base em um passaporte e uma foto do RG e entrevista com um monte de gente que tinha visto ele 30 anos antes. E assim foi feito”, relembra. 

As entrevistas para relembrar os cem anos da Companhia Melhoramentos também tomaram tempo. Foram cinco anos desde o primeiro contato com o escritor até o lançamento do livro. “É uma empresa que tem uma história muito inusitada,  o que foi me atraindo. Você imagina o seguinte, se eu contasse para você que tem uma empresa que começou com um lorde inglês, uma multinacional, que tinha um presidente brasileiro, que era o bisavô do atual presidente, foi um conglomerado nacional, o maior pedaço dela foi estatizado,  e 70 anos depois da fundação ela vira uma empresa familiar com a família que estava lá desde o começo… Isso não bate, não é fácil entender isso.  Era uma história tão extraordinária que se eu contasse sem mais nem menos ninguém ia acreditar. E se o dono da contasse só o pedaço dele,  também ninguém ia acreditar.  Então ficou uma história muito boa,  muito interessante”, afirma o autor. E a afirmação foi endossada pela editora Sextante: o que era para ser um livro comemorativo e virar brinde para colaboradores e clientes, foi lançado para o público nacional.

Gastão de Souza Mesquita, presidente da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná e neto do fundador Gastão Mesquita Filho, conta que esse é o terceiro livro comemorativo da empresa, mas é o primeiro que toma essa proporção. “Quando a companhia fez 50 anos, nós fizemos um livro. Nos 90 anos da companhia, há 10 anos, fizemos outro, porque teve um momento de mudança nosso.  E aí, para os 100 anos, a gente queria fazer alguma coisa com mais importância. Nós procuramos o Jorge Caldeira antes da pandemia da Covid, em 2019. Nós dissemos: queremos contar uma história. Ele é um pesquisador e historiador magnífico, diga-se de passagem. Quando ele veio conversar conosco,  já tinha pesquisado muita coisa da história da companhia. Pesquisou muito do passado, que é tinha mais registros. E aí foi quando nós fizemos as gravações. Depois ele foi ao norte do Paraná e conversou com inúmeras pessoas da empresa e alguns aposentados da empresa. Entrevistou parentes,  entrevistou antigos sócios, e aí saiu esse livro”, diz. 

Para o escritor, o conteúdo registrado nas páginas deve atrair e surpreender diferentes públicos. “A Companhia foi uma fábrica de pequenas propriedades de todo tipo. A média era 14 alqueires, que é um sítio pequenininho.  Então,  para que isso desse certo, precisava de duas coisas, atrair muita gente, e muita gente para comprar todos esses lotes. Uma vez que você se desenvolve, e a região foi feita para esse desenvolvimento, você não é mais dono daquele lote, é quem está lá que está fazendo as coisas acontecer. De olhos abertos e pés no chão, fazendo uma coisa de cada vez e olhando para o futuro. É uma história universal, para todos os brasileiros. É uma história de como se empreende no Brasil, como se constrói, como se gera futuro no Brasil.  Para quem é do norte do Paraná, é a história da região, porque aí, lote por lote dessa área onde hoje estão os 63 municípios, todas as terras,  todos os traçados, as estradas foram construídas pela companhia. É uma história muito curta e de muito sucesso.  E eu acho que para o Paraná como um todo, é uma história de como as instituições também permitiram esse tipo de desenvolvimento.  Acho que atrai a todo mundo. Ele deixou de ser um livro da história de uma empresa para ser um livro que interessa ao Brasil”, resume Jorge Caldeira.  

De olho nas inovações bioenergéticas, ao ser questionado sobre como manter uma empresa tão longeva em um mercado que muda constantemente, o CEO que divide o nome com o avô, fundador da empresa, relembra que ouvia dele: “o difícil é fazer o óbvio”. “Meu avô sempre falava:  todos os negócios já foram inventados.  Eles são adaptados a cada época. Então, você tem que, com simplicidade,  saber que você foi fazendo o que precisava na hora certa”, finaliza.